UMA REFLEXÃO SOBRE A MINHA INFÂNCIA 1


Quando eu era pequena, a despensa da minha casa era a mais desejada da turma. Sempre teve uma variedade de salgadinhos, cereais matinais, chocolates, leite condensado, bolachas recheadas e na geladeira nunca faltou refrigerante. Batata frita era algo comum no jantar, minha mãe fazia para agradar meu pai e a nós, as crianças. Em São Paulo, cresci com disponibilidade absoluta de todas as guloseimas possíveis e imagináveis.

Por outro lado, até certa idade, passei todos os finais de semana, férias e feriados na fazenda dos meus avós. Comia as verduras da horta e as frutas do pomar. Às vezes, o programa era ir pescar, e no jantar comíamos esse peixe. Aprendi que algumas frutas só davam no verão, e outras praticamente o ano todo. Lembro que quando a gente arrancava a cenoura da terra e comia ali na horta segurando pelo cabinho verde, o gosto era completamente outro. Não precisava de sal, de azeite, de tempero. Era a melhor cenoura do mundo. Como foi boa a minha infância na fazenda…

Eu, com dois anos e meio, comendo jabuticabas com a minha irmã na fazenda.

Não sei se por causa desse equilíbrio, se por uma sorte genética, ou acaso do destino, mas eu sempre me alimentei muito bem. Sempre comi de tudo, não têm uma fruta que eu não goste e sempre fiz questão dos ‘verdinhos’. Não ligo pros refrigerantes, é realmente algo muito raro, que tomo de vez em quando no almoço de domingo quando vou à casa da minha avó. As bolachas e salgadinhos também não fazem parte do meu cardápio.

Acho curioso o fato de eu sempre ter tido esses alimentos disponíveis em casa e hoje não dar importância a eles. Nunca foram proibidos pra mim, nunca troquei uma refeição para comer essas besteirinhas. Sempre teve hora e lugar para cada tipo de alimento, pelo menos na minha cabeça. Durante a pré escola lembro que a minha lancheira era uma das poucas que não tinha uma latinha (de refrigeranta, claro) e um pacote (de bolachas recheadas ou salgadinhos). Minha mãe sempre mandava um suco na garrafinha térmica e um sanduichinho de bisnaguinha com requeijão, ou pão de forma com geléia, bem mais saudável que o resto da turma.

Como estava dizendo no começo, minhas amigas piravam quando iam em casa. Desacreditavam que minha mãe comprava todas essas coisas gostosas e deixava lá, à nossa disposição. Era algo muito fora da rotina delas, e por isso, se descontrolavam. Queriam comer salgadinhos até cansar de mastigar, depois abrir um pacote de bolacha e finalizar fazendo um brigadeiro de microondas. Era tudo tão proibido e inalcançável que quando tinham a oportunidade de comer essas besteirinhas, se empanturravam.

Quero deixar claro aqui que eu não recomendo esse tipo de educação. Aliás, nem pretendo educar meus filhos assim. Hoje, passo longe dos salgadinhos porque realmente não sinto prazer ao come-los. O mesmo com as bolachas recheadas – lembro que de pequena não entendia porque as pessoas abriam a bolacha, comiam o recheio e desprezavam o resto. Eu fui educada assim e estou relatando aqui minha experiência. Não estou dizendo, como nutricionista, que essa é a maneira correta de educar os filhos, estou apenas refletindo.

Será que proibir certos alimentos é a melhor maneira de educar as crianças? Será que fazer o terrorismo nutricional – isso engorda, aquilo estraga os dentes, se você não se alimentar direito vai parar no hospital, se não comer feijão vai ficar fraco, etc etc – ajuda as crianças?

Lembro que com menos de 12 anos já tinha amigas que se preocupavam muito com o peso, se achavam gordas, queriam emagrecer, faziam dietas… Amigas que depois de comer a panela toda de brigadeiro, viravam uma garrafona de água goela abaixo para vomitar e, assim, não incorporar todas aquelas calorias. Amigas que tinham o peso normal, amigas que eram magras, amigas que são magras, mas que queriam ser mais magras, ter a barriga mais negativa, o braço quase que só osso e as maçãs do rosto marcadas.

anorexia2

Eu era inocente na época, e não entendia a gravidade desses comportamentos – que graças a Deus foram passageiros – mas caracterizam transtornos alimentares como a compulsão alimentar, a anorexia e a bulimia. Se eram as mães que incentivavam as meninas a terem essa intensa preocupação com o peso e o corpo, se eram as irmãs mais velhas, as revistas da época, ou a própria cabeça delas, eu não sei. Mas lembro que era algo que elas achavam legal, como uma solução mágica e imediata, e não que era um comportamento do qual elas tinham vergonha.

Com o aumento da obesidade e sobrepeso em todas as faixas etárias, e a facilidade de pesquisar e trocar informações que a internet trouxe, as crianças e adolescentes estão cada vez mais preocupadas com seu corpo, e cada vez mais cedo. Hoje em dia, crianças de 4 anos já mostram sinais de insatisfação com o corpo. SÃO CRIANÇAS DE QUATRO ANOS! Pensa na gravidade disso. Com oito ou nove anos algumas crianças já desejam ter corpos mais magros do que o normal e aos dez ou onze anos a maioria delas já tentou controlar o peso de alguma forma.

Será que isso é positivo? Quando a preocupação com o corpo deve ser incentivada e quando ela é excessiva? Como saber se estamos ajudando as crianças com quem convivemos ou se estamos criando neuras em cabeças saudáveis?

Como já disse algumas vezes aqui, o saudável pra mim é comer de tudo! É comer a salada porque gosta, é adoçar a boca com uma fruta na sobremesa e comer um pedaço de bolo quentinho que a mãe fez pro lanche da tarde. É ter um pouco mais de fome num dia e um pouco menos no outro, é se alimentar com prazer, saboreando os alimentos, e não com medo e culpa.

Tenho um texto muito bom sobre comer normal aqui de uma nutricionista americana que eu adoro! Se interessar, da uma olhadinha.

Beijo grande com amor,

Lu


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One thought on “UMA REFLEXÃO SOBRE A MINHA INFÂNCIA

  • Paps

    Sei..sei.
    Despensa farta em guloseimas..
    Batata frita para alegrar meu pai.
    Refrigerante e salgadinho…
    Estes seus pais eram muito loucos…
    Vichi Maria…